segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

A inteligência de Cristo diante dos papéis da memória. - Augusto Jorge Cury

Como Cristo lidava com os papéis da memória? Ele usava a memória humana como um depósito de informações? Tinha uma postura lúcida e coerente diante da história dos seus discípulos?
Cristo usava os papéis da memória diferente de muitas escolas clássicas. Ele tinha uma sabedoria impressionante. Não dava uma infinidade de informações para seus íntimos e nem mesmo regras de condutas, como muitos pensam. Usava a memória como um suporte para fazer deles uma refinada casta de pensadores. Nos capítulos sobre a escola da existência estudaremos esses aspectos.

Aqui, comentarei apenas a linha principal do pensamento de Cristo diante dos papéis da memória. As escolas são fundamentais numa sociedade, ma elas têm enfileirado os alunos durante séculos nas salas de aula acreditando que a memória tenha uma especialidade que na realidade não tem, ou seja, ser um sistema de arquivo de informações que conduz o homem a ser um retransmissor delas. O senso comum pensa que tudo o que se armazena na memória será lembrado de maneira pura. Todavia, ao contrário do que muitos educadores e outros profissionais pensam, não existe lembrança pura das alegrias, das angústias, dos fracassos e dos sucessos que foram registradas na memória existencial (ME). Só são recordadas de maneira mais pura as informações de uso contínuo, como endereços, números telefônicos e fórmulas matemáticas que foram registradas repetidas vezes na memória de uso contínuo(MUC).

O passado não é lembrado, mas reconstruído. As recordações são sempre reconstrucões do passado, nunca plenamente fiéis, apresentando às vezes micro ou macro diferenças. Ao recordarmos o dia em que recebemos o primeiro diploma na escola, sofremos um acidente, fomos ofendidos, fomos elogiados, a lembrança será sempre diferente em relação ao passado. A memória não é um sistema de arquivo lógico, uma enciclopédia de informações, nem a inteligência humana funciona como uma retransmissora dessas informações. A memória funciona como um canteiro de dados para que o homem se torne um construtor de pensamentos. Cristo tinha consciência disso, pois usava a memória como trampolim para expandir a arte de pensar. Estava sempre estimulando os seus discípulos a se interiorizar e a se repensar.

Por que a memória humana não funciona como a memória dos computadores? Por que não recordamos o passado exatamente como ele foi? Aqui esconde-se um grande segredo da inteligência. Não recordamos o passado com exatidão não apenas pelas dificuldades de registro cerebral, mas também porque um dos mais importantes papéis da memória não é transformar o homem num repetidor de informações do passado, mas um engenheiro de idéias, um construtor de novos pensamentos. Este segredo da mente humana precisa ser incorporado pelas teorias educacionais. Nunca se resgata a realidade das experiências do passado, mesmo quando se está em tratamento psicoterapêutico. O filme do presente nunca é igual ao do passado. Este fenômeno, além de estimular o homem a ser um engenheiro de idéias, contribui para desobstruir a inteligência em situações dramáticas. Por exemplo, uma mãe que perde um filho poderia paralisar sua inteligência, pois recordaria continuamente ao longo da vida a mesma experiência de dor vivida no velório dele. Porém, como a recordação do presente é sempre distinta do passado, ainda que minimamente, a mãe vai pouco a pouco aliviando inconscientemente a dor da perda, apesar da saudade nunca mais ser resolvida. Com isso ela volta a ter prazer de viver. Sem tais mecanismos intelectuais, expostos sinteticamente, não apenas as experiências de dor e fracasso poderiam paralisar nossas inteligências, mas também as de alegria e sucesso poderiam nos fazer gravitar em torno delas.
Cristo estava continuamente conduzindo seus discípulos a pensar antes de reagir, a abrir as janelas de suas mentes mesmo diante do medo, dos erros, dos fracassos e das dificuldades. Estimulava os papéis da memória e o processo de construção de pensamentos. Reitero, a leitura multifocal da memória e a reconstrução contínua do passado leva o homem a ser um engenheiro criativo de novas idéias e não um pedreiro das mesmas obras. Porém, não ajudamos esse processo, como fazia o mestre de Nazaré, pelo contrário, nós o atrapalhamos, pois, ao invés de exigirmos de nós a flexibilidade e a criatividade, exigimos ter ótima memória, ser um repetidor de informações, o que encarcera a inteligência. Este erro educacional se arrasta por séculos e vai se intensificar cada vez mais, à medida que o homem queira ter uma memória e uma capacidade de resposta que se assemelha à dos computadores. Os computadores são escravos de programas lógicos. Eles não pensam, não têm consciência de si mesmos e, principalmente, não duvidam nem se emocionam. Muitos alunos não se adaptam ao ensino tradicional e são considerados incompetentes ou deficientes porque o modelo educacional nem sempre estimula adequadamente os papéis da memória. Até as próprias provas escolares podem representar, às vezes, uma tentativa de reprodução inadequada de informações. Precisamos compreender que a especialidade da inteligência humana é expandir a arte de pensar, criar, libertar o pensamento e não decorar e repetir informações. Estudaremos que o mestre da escola da existência, por conhecer bem os papéis da memória, ensinava muito dizendo pouco. Desejava que o homem não fosse um repetidor de regras de comportamento, alguém que só sabe julgar os outros, mas não sabe se interiorizar e enfrentar seus próprios erros, como os fariseus relatado no registro dos capítulos de Mateus 6 e 23. Dizia: ”tira a trave do teu olho, então verás claramente para tirar o cisco do olho do teu irmão”. Somos ótimos para julgar criticar os outros. Todavia, ele não admitia que seus discípulos vivessem uma maquiagem social.

Primeiro tinham que apontar o dedo para si mesmos, para depois julgar e ajudar os outros. Estudando as entrelinhas de suas idéias, verificamos que ele sabia que os pensamentos não registram-se na mesma intensidade, que havia determinadas experiências que obtinham um registro privilegiado no inconsciente da memória. Por isso, toda vez que queria ensinar algo complexo ou estimular uma função importante da inteligência, tal como aprender a se doar, a pensar antes de reagir, a reciclar a competição predatória, usava gestos surpreendentes que chocavam a mente das pessoas e marcava para sempre a memória delas. O mestre dos mestres entendia as limitações humanas, sabia que era difícil o homem administrar suas emoções, principalmente nos focos de tensão. Sabia que facilmente perdemos a paciência quando estressados, que nos irritamos por pequenas coisas e ferimos as pessoas que mais amamos. Para ele, o mal é o que sai de dentro do ser humano e não o que está fora dele. Cumpre ao homem atuar primeiro no seu mundo intelectual para depois aprender a ser um bom líder no mundo social. Ele não admitia que as tensões, a ira, a intolerância o julgamento preconcebido envolvessem seus discípulos. Estimulava seus íntimos a serem fortes numa esfera em que costumamos ser fracos: fortes em administrar a impaciência, rápidos em reconhecer as limitações, seguros em reconhecer os fracassos, maduros em tratar com as dificuldades de relacionamento social. A preocupação desse mestre tem fundamento. Existe um fenômeno inconsciente que registra automaticamente todas as experiências na memória, que chamo de fenômeno RAM.(Registro Automático da Memória). Nos computadores é necessário dar um comando para registrar, “salvar” as informações. Porém, na memória humana, a mente não nos dá essa liberdade. Cada pensamento e emoção são registrados automática e espontaneamente, por isso as experiências do passado irrigam o nosso presente. O fenômeno RAM registra todas as nossas experiências de vida, tantos nossos sucessos como nossos fracassos, tanto nossas reações inteligentes como as imaturas. Entretanto, há diferenças no processo de registro que influenciará o processo de leitura da memória. Registramos de maneira mais privilegiada as experiências que tiverem mais conteúdo emocional, seja ele prazeroso ou angustiante, por isso temos mais facilidade de recordar as experiências mais marcantes de nossas vidas, tanto as que nos causaram alegrias como aquelas que nos frustraram. Estimular adequadamente o fenômeno RAM é fundamental para o desenvolvimento da personalidade, inclusive para o sucesso do tratamento de pacientes depressivos, fóbicos, autistas.

Cristo não queria que as turbulências emocionais fossem continuamente registradas na memória, engessando a personalidade. Queria que seus discípulos fossem livres. Livres no território que todo ser humano facilmente é prisioneiro, seja um psiquiatra ou paciente, livres no território da emoção. O mestre da escola da existência, quase vinte século antes de Goleman (livro: Inteligência Emocional) já discursava sobre a energia emocional como uma das importantes variáveis que influenciam o desenvolvimento da inteligência. Como estudaremos, a maneira como ele lidava com as intempéries emocionais, superava as dores da existência, desenvolvia a criatividade e abria as janelas da mente nas situações estressantes é capaz de deixar os adeptos da tese da inteligência emocional pasmados com tanta maturidade. Se não formos rápidos e inteligentes para tratar com nossas ansiedades, intolerâncias, impaciências, fobias, então nós as retroalimentaremos em nossas memórias. Assim, nos tornaremos o nosso maior inimigo; reféns de nossas emoções. Por isso muitos vivem o paradoxo da cultura e da miséria emocional. Eles têm diversos títulos acadêmicos, são cultos, mas, ao mesmo tempo, são infelizes, ansiosos e hipersensíveis, não sabem trabalhar suas contrariedades, frustrações e as críticas que recebem. Tais pessoas deveriam se reciclar e investir em qualidade de vida. Não está sob o controle consciente do homem o registro das informações na memória, como também não está o ato de apagá-las ou deletá-las. Mas é possível reescrevê-las. Já pensou se fosse possível deletar, apagar os arquivos registrados na memória? Quando estivéssemos decepcionados, frustrados com determinadas pessoas, teríamos a oportunidade de matá-las dentro de nós. Isto produziria um suicídio impensável da inteligência, um suicídio da história. Muitos já tentamos, sem sucesso, matar alguém em nossa memória. Cristo indicou ao longo do relacionamento que teve com seus discípulos, que tinha consciência de que a memória não pode ser deletada. Veremos que não queria destruir a personalidade das pessoas que conviviam com ele. Pelo contrário, desejava transformá-las essencialmente, amadurecê-las e enriquecê-las. Não desejava anular a história delas, mas desejava que reescrevessem suas histórias com liberdade e consciência, que não tivessem medo de repensar seus dogmas e de revisar seus conflitos diante da vida. Como pode alguém que nasceu há tantos séculos, sem qualquer privilégio cultural e social, demonstrar um conhecimento tão profundo sobre a inteligência humana? O mestre de Nazaré era um maestro da vida. Ele usava seus momentos de silêncio, suas parábolas, suas reações para estimular seus incultos discípulos a se tornarem um grupo de pensadores, capazes de tocar juntos a mais bela sinfonia de vida... Sem dúvida, era um mestre intrigante e instigante... Estudar a inteligência dele é muito mais complexo do que estudar a de Freud, de Jung, de Platão ou a de qualquer outro pensador.

Ext.do livro: O Mestre dos Mestres

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